As campanhas políticas não se ganham no feed. Mas influenciam-se lá.
O Contexto: A Política muda de canal
As eleições legislativas de 18 de maio de 2025 foram marcadas por uma campanha intensa — não só nas ruas, mas, sobretudo, nos feeds de quem passa horas no Instagram, TikTok, X ou YouTube.
Os portugueses escolheram os seus representantes nas urnas, mas passaram semanas a ser trabalhados pelos algoritmos. A campanha foi pensada para captar atenção, ativar emoções e gerar pertença com identidades fortes (ou não).
Os quatro partidos mais votados — Aliança Democrática (AD), Chega, Partido Socialista (PS) e Iniciativa Liberal (IL) — disputaram os votos também no digital.
E spoiler: nem todos souberam jogar bem este jogo.
Neste artigo vamos analisar como cada partido trabalhou o seu marketing (focando mais no digital).
Antes de tudo, os resultados das urnas:
Fonte: https://www.legislativas2025.mai.gov.pt/resultados/territorio-nacional
O novo “cartaz” de rua
Já não se faz “política” como antigamente, já não se compete apenas por tempo de antena ou cartazes nas ruas. Compete-se por milissegundos de atenção, engagement emocional e, acima de tudo, relevância algorítmica. O digital não é apenas um canal, é todo um novo ecossistema e quem conseguir viver lá, cresce.
Aqui, não basta “publicar”. É necessário trabalhar uma estratégia que combine awareness, engagement, conversão eleitoral e fidelização pós-voto. Sim. Partidos políticos da vida, é necessário trabalharem a fidelização pós-voto, alguns vão fazê-lo, outros ficarão para trás.
A análise
Vamos olhar para as principais frentes do marketing digital e perceber onde os partidos brilharam e onde falharam:
Nota: Aqui e aqui podes ver algumas das regras sobre publicidade a que os partidos políticos estão sujeitos. Por isso, nesta análise não vamos avaliar anúncios pagos, nem a conduta de cada partido no respeito pelas leis ou não.
1. Aliança Democrática (AD) – O estilo clássico que não arrisca
Estratégia corporativa, execução rígida.
A AD operou como uma marca institucional tradicional. A mensagem foi coerente, os canais estiveram ativos, mas houve uma clara ausência de inovação, risco e storytelling emocional.
Usaram o digital como megafone, não como ponto de escuta ou diálogo.
✔️ Pontos fortes:
- Manteve uma presença constante nas redes sociais, com mensagens e criativos coerentes;
- Produziu vídeos bem editados e apostou em transmissões de comícios para mostrar adesão popular;
- O website estava funcional e atualizado, com boa usabilidade. Apresenta uma estrutura clara e muito simples, com informações sobre o programa eleitoral, notícias e eventos. Destaca-se o slogan “Portugal não pode parar”, refletindo a mensagem central da campanha;
- No website disponibilizam uma parte para que as pessoas possam enviar as suas ideias.
- Pop-up no site como prova social:
❌ Pontos fracos:
- Faltou ousadia. Ignorou os formatos nativos de cada plataforma — Reels, Shorts, TikToks — publicando conteúdos tecnicamente corretos, mas visual e ritmicamente deslocados;
- A interação com os seguidores foi limitada, com poucas respostas a comentários e ausência de conteúdos interativos;
- Os conteúdos publicados foram predominantemente institucionais, focando em discursos, comícios e declarações do líder;
- Falta de inovação em ferramentas de envolvimento (ex: quizzes, simuladores, apps);
- “Portugal não pode parar!” foi um slogan estrategicamente sólido, mas taticamente mal explorado. Podiam juntar storytelling real, desdobrar o slogan para outras temáticas (educação, saúde, etc) e reforçar nas diversas plataformas;
- Tem uma taxa de engagement mais elevada, mas possivelmente SÓ por terem um volume de seguidores muito inferior aos concorrentes.
Profissional, mas conservadora demais para o ambiente digital de 2025. Falhou em atrair os mais jovens e em adaptar-se ao ritmo das redes. O vídeo mais popular da AD no tiktok foi precisamente um com um posicionamento mais leve e jovem, este.
A AD manteve uma abordagem mais institucional, focando na divulgação de conteúdos informativos.
2. CHEGA – Uma máquina de influência digital
O CHEGA entrou nas eleições legislativas de 2025 como um fenómeno político consolidado — e saiu como a segunda maior força parlamentar, com 58 deputados, igualando o PS. Este resultado não se explica apenas pelo crescimento da base eleitoral conservadora. Explica-se, na maioria, por uma estratégia digital extremamente eficaz, agressiva e adaptada ao funcionamento emocional e algorítmico das redes sociais.
Facebook, Instagram e TikTok foram os pilares da campanha.
O CHEGA trabalhou as redes sociais como o seu principal canal de comunicação. Facebook continua a ser o seu bastião — onde a população mais velha e mais polarizada interage de forma intensa. No entanto, a aposta em TikTok e Instagram Reels revelou uma clara evolução na compreensão da dinâmica atual do digital: vídeos curtos, frases de impacto e estética de guerrilha.
📊 Segundo dados recolhidos pelo Expresso/Llyc, o CHEGA foi o partido com mais interações por publicação nas redes sociais:
→ Mais de 2.030 interações por post, ultrapassando AD, PS e IL com larga vantagem.
✔️ Pontos fortes:
- Liderou em interações nas redes sociais, com mais de 2.030 interações por publicação em média;
- Apostou forte em TikTok, com vídeos curtos, diretos e provocadores. Sabem falar a linguagem das redes, sem filtro;
- O slogan de 2025 não foi subtil — e não pretendia ser. “Salvar Portugal” é uma frase carregada de urgência, emocionalmente forte, e ambígua o suficiente para ser moldada a várias frentes: segurança, imigração, corrupção, economia. Apela ao medo e à necessidade de intervenção imediata;
- Posicionam o partido como único salvador — um clássico;
- Copywriting: direto ao osso! O CHEGA fala com frases curtas, contundentes e descomplexadas. “Portugal está à beira do colapso.” “Milhões para os corruptos, nada para o povo.” “Eles governam para os amigos. Nós lutamos por ti.” Estas frases não explicam. Acusam, agitam, inflamam. E isso é precisamente o que os algoritmos amplificam;
- Vídeos verticais e curtos, filmados no estilo caseiro (mas estrategicamente pensados), criam proximidade e sensação de autenticidade;
- Storytelling em força, aqui um exemplo, aqui outro;
- Memes políticos e declarações bombásticas são recortadas de entrevistas e lives para gerar partilhas rápidas;
- Lives e vídeos de bastidores com o líder criam efeito “reality político” — um formato que prende atenção em plataformas como o TikTok. Muitos destes vídeos são reaproveitados em grupos de WhatsApp e Telegram — canais fora do radar tradicional, mas com enorme poder de mobilização;
- O CHEGA não comunica só para informar — comunica para mobilizar. Com legendas e CTAs (Call to Action) simples, eficazes e que apelam à partilha. Fundamentais para criar efeito de rede.
❌ Pontos fracos:
- Comunicação baseada em polarização e choque — eficaz no curto prazo, mas com risco de desgaste e desinformação;
- Uma comunicação baseada no medo e na divisão pode ser rentável eleitoralmente — mas compromete o espaço público e o debate racional;
- O CHEGA não está a disputar ideias — está a disputar atenção. E no ecossistema digital de 2025, isso, por si só, pode ser suficiente para ganhar;
- A repetição das mesmas fórmulas — acusações, indignação, frases curtas — esgota-se junto de eleitores mais exigentes, que identificam rapidamente a falta de substância programática;
- Ausência de storytelling positivo e construtivo: tudo gira em torno do que está mal e de quem é o “inimigo”. Não usam narrativas de esperança, aspiração ou construção, só revolta;
- Uso dos mesmos vídeos em todas as plataformas, sem variações visuais ou de copy. Não há segmentação;
- Risco de desintermediação total — se for bloqueado, perde tudo. Precisa incluir outros canais na estratégia.
O CHEGA é a prova de que, em 2025, entender o algoritmo pode ser mais determinante do que ter um programa político. Mas nenhuma máquina digital sobrevive eternamente sem narrativa construtiva.
O CHEGA poderia beneficiar de introduzir formatos informativos mais estruturados — como vídeos explicativos, perguntas e respostas ou mini-séries temáticas sobre as suas propostas/soluções— para alargar a sua base além do eleitorado emocionalmente mobilizado.
3. Partido Socialista (PS) – Presença sem impacto
A campanha digital do Partido Socialista (PS) para as legislativas de 2025 procurou transmitir uma imagem de estabilidade e confiança, mas enfrentou desafios significativos na adaptação às dinâmicas das plataformas digitais contemporâneas.
✔️ Pontos fortes:
- Conteúdo informativo, institucional e bem produzido nas redes sociais — especialmente no Facebook e Instagram.
- Criaram alguns conteúdos partilháveis:
- Site bastante completo e com muita informação, com boas práticas de SEO e explicações detalhadas sobre o programa. Além disso, conta com uma área para o eleitor;
- O PS manteve uma linha comunicacional coerente, centrada na estabilidade e no progresso social, refletida nos slogans “O futuro é já” e “Confia PS”. Mas isto também trouxe problemas (vê os pontos fracos);
- Os vídeos e materiais gráficos apresentaram um elevado padrão de produção, transmitindo profissionalismo e seriedade;
- No Threads, o PS destaca-se com o melhor desempenho: não só é quem publica mais como quem tem a melhor taxa de engagement.
❌ Pontos fracos:
- Perdeu força no envolvimento. A interação com os seguidores foi reduzida, com poucas respostas a comentários e escassa utilização de conteúdos gerados pelos utilizadores;
- Comunicação demasiado formal, pouco apelativa para públicos digitais mais novos, apesar de ter alguns vídeos mais com estilo de “TikTok”;
- A campanha careceu de storytelling envolvente que pudesse criar uma ligação emocional mais forte com quem vota;
- Pouca exploração de vídeos curtos e criativos;
- “O futuro é já” e “Confia PS” não são contraditórios — mas competem pelo mesmo espaço cognitivo: A clareza vence sempre. E se repetes sempre o mesmo — como o Chega com “Salvar Portugal” ou a AD com “Portugal não pode parar” — ele entra no ouvido, fixa no subconsciente e cola no voto. O cérebro adora padrões — e slogans repetidos geram familiaridade e, por extensão, confiança. Quando trocas entre dois (ou mais), ambos perdem força. Resultado: a mensagem do PS perdeu visibilidade emocional e memória de marca.
PS, um partido que sabe produzir, mas não sabe viralizar. Estável e seguro — mas previsível. No digital, isso custa caro. O PS tem todos os recursos para liderar digitalmente — mas precisa de ousar mais, simplificar a sua mensagem e começar a falar para o feed, não para o boletim oficial.
Em política, como no marketing: uma mensagem forte vence dez ideias fracas. E em 2025, o PS falhou em escolher qual era a sua.
Para futuras campanhas, será crucial que o PS invista em estratégias digitais mais dinâmicas, que incluam conteúdos interativos, storytelling emocional e uma presença mais ativa nas plataformas.
4. Iniciativa Liberal (IL) – O partido mais “start-up”
A Iniciativa Liberal (IL) apresentou uma campanha digital nas legislativas de 2025 que se destacou pela sua abordagem orientada para o digital. Com uma comunicação centrada em mensagens claras e provocadoras, a IL conseguiu captar a atenção de segmentos específicos, especialmente os mais jovens e urbanos.
Nos últimos anos a Iniciativa Liberal demonstrou duas abordagens distintas nas suas campanhas digitais sob as lideranças de João Cotrim de Figueiredo e Rui Rocha. Enquanto Cotrim se destacou pela inovação e pela capacidade de se envolver o público jovem via campanhas digitais personalizadas e provocadoras, Rocha adotou uma postura mais institucional, reforçando a presença física e apresentando a IL como um partido responsável, apesar dos vários vídeos a “beber finos”. Estratégia de conteúdos esta para se aproximar dos jovens (mas há outras formas Rocha, há outras formas).
✔️ Pontos fortes:
- Apostou em formatos modernos e linguagem direta nas diferentes redes;
- O LinkedIn é a maior aposta da IL, com um volume expressivo de publicações por parte dos liberais;
- Identidade gráfica coerente: Azul IL foi dominante, tipografia forte, templates consistentes;
- Menos “campanha de ataque”, mais “branding político”, passaram para uma imagem mais profissional, institucional, ainda com ironia, mas menos “guerrilheira”;
- O programa eleitoral foi disponibilizado em formatos completos e resumidos, facilitando o acesso para diferentes perfis de eleitores;
- A IL utilizou gráficos e vídeos com mensagens claras, facilitando a partilha.
- A campanha manteve uma linha comunicacional consistente, centrada na liberdade individual e na redução do papel do Estado, alinhando-se com os princípios do partido.
- Houve uma interação com seguidores, com respostas rápidas, uso de humor e ironia moderada;
- Estilo TED Talk tornou-se o novo formato padrão IL.
❌ Pontos fracos:
- Alcance limitado a nichos específicos jovens e urbanos, com dificuldade em expandir para públicos mais amplos;
- Slogan “Acelerar Portugal” com pouca visibilidade e fraca penetração orgânica. A falta de consistência na utilização do slogan pode ter afetado a eficácia da mensagem da IL. Em campanhas políticas, a repetição e a coerência são fundamentais para reforçar a identidade e os valores do partido;
- O site parece estar desatualizado relativamente às melhores práticas UX e SEO;
- Redução da inovação e criatividade nas campanhas digitais. Apesar de presença, a cadência e criatividade no TikTok ficou abaixo do esperado, por exemplo. Houve uma dificuldade em manter o envolvimento com o público jovem e urbano. No TikTok, começou tímido, cresceu em 2022, mas não escalou em 2025;
- No website não está a página do tiktok, mas foi benéfico a criação de um telegram para a partilha de informações e conteúdos;
- A dinâmica que usa para os outdoors podia utilizar para as redes sociais;
- Uma parte dos conteúdos da Iniciativa liberal dá palco aos seus concorrentes;
- Algumas mensagens ainda demasiado técnicas para o eleitorado médio;
- Linguagem audiovisual mais institucional do que emocional, além da pouca utilização do Storytelling. A falha no storytelling emocional, é uma lacuna que pode realmente limitar a expansão da IL.
Um partido com mindset digital claro. A IL trabalha como uma marca: jovem, ágil e centrada no utilizador. A sua campanha digital foi boa em mobilizar segmentos específicos, especialmente os mais jovens e urbanos. No entanto, para ampliar o seu impacto, a IL poderia investir em estratégias que promovam uma ligação emocional mais forte com os eleitores e expandam o seu alcance para além dos nichos atuais. Foco em conteúdo de autoridade e demonstrar conhecimento poderiam voltar a estar no plano de conteúdos.
Para futuras campanhas, a IL poderá beneficiar de uma estratégia que combine a inovação digital e o envolvimento jovem de Cotrim com a abordagem institucional e a presença física reforçada de Rocha, visando expandir o seu alcance e consolidar a sua posição no panorama político português.
Esquerda vs Direita: Quem dominou as redes?
Segundo a consultora LLYC, os partidos à direita geraram, em média, três vezes mais interações nas redes sociais do que os da esquerda:
- Direita: 1.210 interações/post
- Esquerda: 403 interações/post
- Chega liderou isolado, seguido da IL. O PS e o BE ficaram nos últimos lugares.
Conclusão — Lições para as próximas eleições
No feed ganha-se a primeira batalha.
A campanha de 2025 provou que a presença digital já não é um acessório — é essencial.
Não basta estar online: é preciso comunicar com clareza, adaptar a linguagem ao meio e criar conteúdo que envolva, informe e emocione.
É necessário humanizar mais o conteúdo: Integrar storytelling com protagonistas reais e adequar os conteúdos ao eleitor, sem tanto conteúdo técnico. Falar para todos entenderem.
CHEGA e IL dominaram pela emoção, clareza e algoritmo.
PS e AD mantiveram uma comunicação competente, mas menos eficaz digitalmente.
Resumo de recomendações para o futuro:
- Apostar em storytelling emocional;
- Trabalhar os formatos nativos de cada plataforma;
- Unificar slogan e repetir até colar;
- Criar canais de envolvimento direto (Q&As, quizzes, lives);
- Falar menos “para o boletim oficial”, mais “para o feed”.
Quem souber combinar emoção, clareza, comunicação competente e mobilização, lidera — não só nos likes, mas nas urnas.
E tu?
Votas pelo que vês na TV ou votas pelo que vês nas Redes?
Como nota final, deixamos-te os seguidores nas redes sociais dos 4 partidos analisados:
Nota: As páginas da Aliança Democrática são mais recentes que as outras.
Não avaliamos o número de seguidores do PSD que tem valores um pouco superiores à AD.